domingo, dezembro 30, 2007

Benazir

A outra largou o marido porque ele não lhe permitiu fazer um jantar de Natal. Pegou as crianças e foi pra casa da mãe. “Não volto mais!”

Disse que ele não lhe deu o dinheiro para as compras de Natal; disse que não trabalha porque tem que cuidar dos dois filhos pequenos e da casa e do marido; disse que não ganha nada por seu trabalho doméstico; disse que não volta mais e pronto.

Não usa véu e mora num país livre, onde mulheres decidem seu destino, ainda que a sociedade machista, a política mercantilista e a corrupção “terceiromundista” lhes tornem árduo o exercício deste direito.

- Mas mulheres também são corruptas, não é privilégio masculino.

Claro! E quem falou o contrário? A própria Benazir Bhutto, líder paquistanesa assassinada esta semana, foi acusada de corrupção, deposta e exilada. No Brasil há outras tantas também acusadas. Mas - “Salve, Salve, Mãe da Pátria” – os mecanismos de deposição são outros, ainda que lentos e ineficientes.

- Lá está você novamente se equivocando. Benazir não foi morta por causa de corrupção, mas por representar os interesses norte-americanos num país islâmico.

Pois erraram de novo. Os EUA erraram ao apoiar Pervez Mussharaf pensando com isso poder conter o extremismo e mais ainda erraram ao acreditar que Bhutto, atirada aos leões paquistaneses, viveria para defender seus interesses.

O resultado é este que está aí: uma mulher corajosa morta, um Paquistão cada vez mais violento, um país cada vez mais extremista e uma bomba atômica nas mãos deles.

Num mundo globalizado como este dos últimos vinte anos, como disse Miriam Leitão (jornalista, O Globo on line, 28/12/2007), nenhum país está longe o suficiente do Paquistão. Talvez por isso, em pleno Natal, a bomba caiu atômica na casa dela quando seu marido chegou e encontrou o bilhetinho: “Não volto mais e pronto!”

Saiu furioso: - Mulher minha não sai assim. Foi embora? Embora nada, não tem dinheiro. Ela está pensando que a mãe vai segurar a barra com dois filhos? Ela volta... Eu não dou nenhum tostão de pensão. Se for isso o que ela quer, pode tirar o cavalinho da chuva. Não dou nada. Se quiser, deixa os meninos comigo. Ela pode ficar lá na mãe dela, não me importo, mas meus filhos ficam aqui comigo e acabou. Não sabe fazer nada direito, nem estudou, vai trabalhar em quê? Aqui tinha tudo: casa, comida, até televisão de vinte e nove polegadas. Quero ver se não volta... Se não voltar vou buscar à força. Montei casa e tudo pra essa mulher e agora ela sai assim? De jeito nenhum. E eu, como é que eu fico?

Quando os fogos de 2008 estourarem em nossos ouvidos, vire o ano de durma com um barulho desses...

Feliz Ano Novo! Vamos tentar novamente.

domingo, dezembro 23, 2007

Hô! Hô! Hô!

Morri de rir! A mulher esfaqueou o marido porque ele abriu o presente de Natal antes da hora, simples assim. E eu, que passei anos ao lado do meu, pensando em “esfaqueá-lo” todos os dias... Quer dizer, todos os dias não... No início queria matá-lo, mas apenas de amor. Ali pelo décimo primeiro ano de casamento, no entanto, bastava ele olhar pra um presente qualquer – e nem precisava ser de Natal – que eu já pegava uma faca de carne e conjeturava olhando para ele com aquele olhar assassino, sabe qual é?

Mas nada fiz. Aliás, fiz sim, quinze anos de análise e três anos de tratamento psiquiátrico, enquanto ele, o marido, achava o nosso casamento normal e se refastelava com outras mulheres e com sua vida própria, de futebol e chope com os amigos, com seu trabalho e, eventualmente, com seus filhos – que ele jurava serem as pessoas mais importantes na vida dele. Finalmente larguei ele pra lá, livrando-nos de uma tragédia.

Sei, minhas amigas (e meus amigos, é claro!), que essa vida não é privilégio meu, e cada vez que leio uma coisa assim, tenho mais certeza disso. Quem sabe por aí, entre as minhas leitoras (e leitores, é claro!) não se encontrem alguns que, ainda que secretamente, já não tenham pensado em dar pelo menos uns socos no amor da sua vida?

Mas não pode, tá? Isso aí é violência doméstica, coisa que vale tanto para homens quanto para mulheres. Mulher também não pode bater no marido não, senão “vai pagar cesta básica” como acontecia quando um homem batia numa mulher. Aliás, isso mudou. Agora quem bater vai pra cadeia mesmo. Por isso, meninas, nada de violência com eles.

A historinha do presente de Natal que mencionei ali em cima aconteceu nos Estados Unidos e, acreditem ou não, com um casal recém-casado, unidos em matrimônio em setembro de 2007. Fico eu pensando aqui e imagino que você também deva estar pensando: o que era o tal presente? A reportagem não informa, mas a gente pode tentar descobrir. É só responder: o que levaria alguém a uma atitude extrema?

Deixo aberta aqui esta brincadeira, dando eu o primeiro chute: acho que o presente era um vibrador no formato de Papai Noel.

E você o que acha?

Clica aí embaixo em “comentários” e deixe a sua sugestão. A mais original será o tema de uma próxima crônica aqui no blogue. Prazo para comentários até 2 de janeiro.

domingo, dezembro 16, 2007

O entocador de tumba

Tinha nariz de pinóquio e gostava de música. Onde andava estava com um fone ouvindo música em seu moderno e mínimo radinho-tocador. Era sujeito estranho. Não parava quieto. Sempre viajando de um lado para o outro, procurando coisas, sentimentos e tudo o mais que pudesse entocar para sua reserva, para o seu futuro, como fazemos com bons vinhos numa cava.

Mas ele não tinha uma cava. Os vinhos ele não guardava, bebeu todas as garrafas na mesma hora que esteve com elas frente-a-frente. Entornava mesmo. O resto de todas as coisas e sentimentos, no entanto, o entocador começou cedo a fechar em sua tumba, que na verdade nada mais era do que um cômodo sem portas nem janelas, totalmente hermético, lacrado com cimento e tijolo. Cada vez que ele conseguia coisas ou sentimentos, abria um buraco na parede e as entocava.

Estava fazendo reservas, justificava. Um homem tem que ter suas reservas, afinal de contas, não se pode estar sempre por um fio.

Só que o tempo passou e o homem com nariz de pinóquio foi ficando velho, surdo e cansado de viagens, cansado de procurar coisas e sentimentos. Já tinha muitas, não cabia mais nada na sua tumba. “É hora de parar” – Pensou – “e curtir as coisas e sentimentos que guardei”.

O entocador abriu novamente o buraco na parede e entrou na sua tumba para começar a usufruir, cansado, mas feliz. Havia conseguido muitas coisas. Era melhor lacrar novamente para que ninguém entrasse e tentasse lhe tirar aquilo tudo que havia, a tanto custo, guardado. Com cimento e tijolo, fechou-se dentro de sua tumba com suas coisas e sentimentos.

Primeiro foi buscar as coisas e percebeu que estavam destruídas pelo tempo ou comidas pelos insetos. Procurou os sentimentos, guardou tantos durante tanto tempo, deve ter sobrado algum... Mas nada. Dentro da sua tumba, os sentimentos sem vida para alimentá-los, estavam aniquilados, frios e mortos. Ele não sentia mais nada.

O homem que não sentia mais nada ainda pensou que tinha para si a música, mas de tão velho estava surdo e mal conseguia ouvir as belas notas agudas, e todas as músicas pareciam para ele tão graves, tão sombrias que começou a temê-las.

Viu-se no meio de tantas coisas inúteis, de tantos sentimentos perdidos, com seu nariz de pinóquio, entocado em sua tumba. Olhou para os lados procurando uma garrafa de vinho que pudesse dar-lhe alguma alegria, mas não havia guardado nenhuma para aquele momento nem para momento algum.

E estava só. Não havia, em todas as suas idas e vindas, conseguido guardar para si o que há de mais importante nesta vida: as pessoas à nossa volta, as pessoas que encontramos pelo caminho, as pessoas do mundo inteiro.

Neste Natal, pense nisso. Guarde pelo menos uma pessoa que seja, ao seu lado, e uma boa garrafa de vinho. O resto deixe na tumba.