quinta-feira, setembro 20, 2007

Viu a lua?

Andou muito até chegar ali, sem vontade de chegar, sem lugar para chegar, sem lua. Andou mais do que devia; mais do que podia. Andou a esmo, olhar no nada e nada para ver. Andou sem rumo, sem meta, sem pressa, sem lua.

Mas cansou. Cansou de andar, de olhar e não ver; cansou do martírio diário, da casa, trabalho, salário. Cansou e parou; parou e pensou:

- Táxi!!!

Pneus gritaram em meio aos palavrões. A avenida lotada de seis-e-meias na loucura que leva do nada ao lugar nenhum. Assim o táxi desviou do meio para o canto da pista enfrentando ônibus e buzinas até parar e resgatá-la de seu inferno.

Cezário abriu a porta agilmente com uma das mãos enquanto a outra segurava o volante, pronto para guiá-lo de volta ao caos.

Cléo entrou rapidamente. Ao deslizar do braço do homem protetor à sua frente para fechar a porta, sentiu-se estranhamente confortável dentro daquele veículo desconhecido.

- Vou ligar o ar-condicionado para você.

E, sorrindo, acendeu a luz interna para que Cléo acertasse o encaixe do sinto de segurança.

- Por que ele sorri assim pra mim? - Estranhou.

O carro mergulhou novamente na avenida barulhenta e engarrafada.


- Vou ficar logo depois do túnel. - Informou a passageira.

Como se ignorasse a ordem, Cezário admirou:

- Viu a lua? Está linda!

- Por que ele fala assim comigo? - Pensou a mulher. E respondeu:

- É...

Andou tanto, olhou tanto e não viu nada. Tanto se cansou e não viu a lua.

- Mas não tinha lua até agora há pouco!

E não havia mesmo. Até aquele momento não havia lua, não havia rua, não havia motivo, sorriso, não havia nada.

- Está mesmo linda a lua! - Cedeu Cléo à vida um pouco de atenção. - É cheia?

- Cheia de si! - Garantiu o homem. - É aqui mesmo que você vai ficar?

Olhou pela janela, o destino escolhido tinha chegado. Deveria descer do táxi e seguir sua vida: mais uma noite, mais um dia, outra noite, outro dia. E certamente a lua desapareceria de novo.

Era incapaz de responder àquela pergunta. Não sabia o que dizer. Abaixou a cabeça, calou-se, abriu a bolsa enquanto o carro reduzia a velocidade e ameaçava encostar. Já soavam as buzinas e os pneus.

Cezário parou o carro, acendeu a luz interna e estendeu o braço à frente da mulher para abrir a porta. A mão de Cléo era quente e um pouco suada, mas seu toque no braço do homem, segurando-o firme e delicadamente o fez recuar e a porta permaneceu fechada.

De sua grande bolsa rajada Cléo retirou devagar, meio sem jeito, tímida, uma garrafa de vinho. Acariciou a garrafa como um presente sagrado.

Apagou novamente a luz, apontou a “lua cheia de si” e moveu o carro.

- Daqui pra frente não há mais túneis. - Disse o motorista.

Cléo sorriu aliviada.

sábado, setembro 01, 2007

Você quer casar comigo?

A última vez que sorri você estava ao meu lado. E de lá pra cá eu andava triste, achando que o amor é mesmo aquela disfunção hormonal que não tem nada a ver com empatia, magia ou transcendência. E se o amor é apenas isso, então quem me dirá sobre o romantismo? Esse “ismo” tão démodé.

Minha prima não acha.

Démodé ou não, eu estou sempre esperando um bocado desse “ismo” nos meus envolvimentos, digamos, românticos, e, naturalmente, como quem espera nem sempre alcança, coleciono decepções.

Mas minha prima não.

Casamento também é outra coisa que está absolutamente saindo de moda; hoje em dia ninguém casa, ajunta.

Minha prima ajuntou.

O tempo para se comemorar bodas precisa ser urgentemente alterado sob pena de desaparecer. Estão no fim as comemorações de cinqüenta anos de casados. Imagina! Cinqüenta anos? Never more. Acabou. Bodas de Ouro tem que passar a ser comemorada, no máximo aos quinze anos de união.

Minha prima já comemorou.

Proponho que fique assim, então: Bodas de Prata aos sete anos e meio e Bodas de Ouro aos quinze anos. Convenhamos que nestes tempos pós-pós-modernos, se alguém, depois de quinze anos ao lado de outrem, ainda não tiver desejos de separação, então, pode assumir o “mico” e casar com seu companheiro no melhor estilo démodé moderno, com direito a alianças, arroz nos noivos, latas no carro, lua-de-mel, jogar buquê e tudo o mais.

Minha prima vai casar.

Depois de dezesseis anos ao lado de seu companheiro, com quem tem uma linda menina – hoje moça de quinze anos – recebeu o inusitado pedido. Estão nos proclamas e vai ter festão.

Eu, que nem gosto de festão, vou assim mesmo. Quero celebrar o amor e o romantismo! Mas declino do buquê. Nesta hora, estarei próxima ao bar tomando um trago para refletir sobre os meus quatro casamentos que juntos em tempo não completam bodas de nada – ainda que eu tenha sempre pensado que seriam “para sempre” -, e sobre a possibilidade de assim como muitos solteiros felizes que conheço, seguir sozinha os próximos tempos. Quem sabe completo bodas de “solteirice” e faço um festão ou escrevo um livro aos cem anos de solidão? Nossa, é muito tempo! Cinqüenta, quem sabe, vinte... Dez?

Quem me conhece vai garantir que não consigo ficar dez anos solteira. Talvez tenha razão, é melhor ser mais realista. Ficando longe do buquê da minha prima, vou tentar comemorar bodas sozinha aos seis meses sem par.

Pôxa, eu acredito nessas coisas! Amor, romance e casamento. Veja só, enquanto muitos casais estão se separando aos quinze anos de união, minha prima e seu companheiro vão se casar. Renovam seus votos neste duradouro “amor eterno”.

Vou lá na festa da minha prima dar um grande abraço no amor e pegar de volta o meu sorriso que você levou embora.