terça-feira, abril 24, 2007

Celas: você vai gostar!

“Um dia ele me disse que eu deveria entendê-lo como homem... Os senhores sabem o que isso quer dizer? Entendê-lo como homem? Os senhores sabem sim”.
De sexta a domingo, no Teatro Municipal de Araruama, às oito da noite. Ingressos a R$ 10,00. Estudantes e pessoas com 60 anos ou mais pagam meia.

Todos os domingos, às 19h, exibição do documentário "Verdade de Mulher", de Maria Luiza Aboim. Até dez para às sete da noite, ingressos a R$ 5,00 com direito ao filme e à peça.

Celas, com Milena Lizzi

Texto e músicas: Morgana Pessôa

Direção: Angelah Dantas

Arranjos e execução musical: Vitor Bricio

Figurino: Suzana Riisa

Maquiagem: Fabrício Santos

Iluminação: Pablo Rodrigues

Produção executiva: Érica Lobão

Programação Visual: Júlia Pessôa

Realização: Editora Cartaz Cartolina e Prefeitura Municipal de Araruama

terça-feira, abril 17, 2007

SerTão ou não ser tão...?

Depois de tantos anos por aqui, já não me surpreendo mais com o que é possível ao Ser Humano, ou ainda, com o que é possível vir do Homem. Estou bem acostumada com seu descontrole, com sua urgência, com seu medo, com seus devaneios, com sua razão, enfim, com tudo o que faz dele um destruidor de si próprio.

Mas “todo o resto”, afora o Homem, surpreende. E “todo o resto” afora o Homem é a natureza, ainda que seja, ele mesmo, parte dela.

Aqui, eles eram quatro, como os quatro amigos da história infantil, todos de rua. Uma matilha que escolheu a nossa casa como pouso seguro. Dávamos água – a vizinha dava comida - e, como nossa casa não tinha muros ou cercas, eles iam e vinham em total liberdade. Vida boa!!! Comida farta, água, carinho, amigos, liberdade, proteção, cuidado. Querer mais o quê? Um cachorro não quer mais nada!

Certo dia uma desapareceu. Passou dias sem vir em casa. Desconfiamos que algo podia não estar bem. Havia um silêncio solene entre os demais que me incomodava. Andei pela vila a sua procura, mas em vão. Inconformada, perguntei à outra:

- Você sabe onde ela está? Leve-me até ela.

Inexplicavelmente, a cadela saiu andando, voltando-se vez por outra para me olhar. Entendi seu chamado e sem pensar em nada a segui. Chegamos perto do campinho de futebol, a umas duas quadras da casa. Nesse local, a cadela andou em voltas de um montinho de terra, cheirou e, por fim, deitou-se ali e olhou para mim. Me aproximei devagar e juntei-me a ela, coloquei sua cabeça no meu colo e nos consolamos pela morte de nossa companheira.

Mas a vida leva e traz.

Um ano mais tarde, encontrei, no dia do meu aniversário, uma pequenina cadela, cor de caramelo, com os olhos envoltos num cordão negro, muito simpática, linda! Olhou pra mim daquela forma irreparavelmente apaixonante e caímos de amores uma pela outra. Levei pra casa e a apresentei para a matilha.

Os dois mais jovens: o cachorro, rei absoluto, e a cadela que encontrou o túmulo da outra, não aceitaram a nova cria muito bem e por vezes quase lhe arrancaram as tripas. Mas a mais velha, a qual chamávamos mesmo de “Velhinha”, esta, mais experiente, mais sábia, acolheu a pequena, protegendo-a.

Como os outros não permitissem que a cadelinha se aproximasse da comida, a Velhinha, do alto de sua sabedoria, para evitar que o filhote morresse de fome, e talvez no instinto de garantir, assim, a continuidade da existência de sua espécie, abocanhava um bocado da comida, mastigava-a e, pertinho do bebê, depositava ali aquela massa pronta para ser bem digerida pelo pequeno organismo de sua protegida. A Gala, hoje, é uma linda cadela que, bastante jovem ainda, garante a segurança da matilha, atualmente formada por velhos cachorros.

Mesmo a nossa mais anciã sabedoria não tem chegado aos pés do que essa velha cadela sabe sobre a vida. Conviver com a natureza e poder perceber essas sutilezas é um grande privilégio. Mas não deveria ser, não é?

Daqui onde estou, meu olhar atravessa a porta de vidro em frente à mesa de escrever, passa pelos cachorros descansados na varanda e vai encontrar as montanhas que guardam ainda um bocado da Mata Atlântica carioca – 93% dela no Brasil já foi “deletada” do mapa.

Estive lá, certa vez, levada por uma mulher encantada de longos cabelos e sonhos. Um lugar chamado SerTão. Fomos sós, as duas, ela já com seus bem-estados 62 anos, guiando seu jipe 4X4 e eu, de posse apenas de mim mesma e uma muda de roupa. Minimalismo.
Encravada no meio da floresta, depois de três quilômetros por subidas em verdadeiros degraus de pedras por onde só aquele cavalo de quatro rodas poderia subir, uma pequena cabana nos abrigou por três dias, nos quais nos enfiamos floresta adentro buscando talvez as respostas que, estando apenas dentro de nós mesmas, somente em estado de integração total poderíamos encontrá-las.

Ali, sem energia elétrica ou qualquer outra modernidade, ouvindo o bater das asas de enormes e ainda desconhecidos pássaros e o chincalhar dos macacos na mata, cada instante nos surpreendia a natureza, mas em nada me surpreendeu quando minha maga anfitriã me alertou para um barulho diferente no meio da floresta, que, mesmo parecendo estar tão perto de nós, devia distar pelo menos um quilômetro da clareira da cabana. Era um caçador de macacos. Um homem que invadia aquele santuário ecológico para destruir mais um pedaço de sua própria vida. O estampido da espingarda nos cala ao mesmo tempo em que alvoroça toda a floresta. Nos olhamos nos olhos minha amiga e eu. E as respostas que buscávamos continuaram lá dentro de nós mesmas.

segunda-feira, abril 09, 2007

Uma noite no deserto

Voltando pra casa neste último feriado de Semana Santa, sentada à janela do “mil-e-um” rumo a Saquarema, vim acompanhando, no contra-fluxo engarrafado dos que retornavam para a cidade do Rio de Janeiro, além das inúmeras imprudências dos mais apressados, as queimadas ao longo da Rodovia Amaral Peixoto. À parte os problemas ambientais causados por elas, à noite, o fogo é sempre muito atrativo.

A última vez que estive diante de uma fogueira foi na África, no Deserto do Saara, na Tunísia, guiada por um beduíno que animou a noite com sua flauta de três notas entoadas em dó.

Estávamos num passeio de férias, meu marido e eu e, passando por Douz às vésperas de seu aniversário, vimos a placa numa agência de turismo: “Uma noite no deserto”. Uau! Era um presente bárbaro, uma experiência inusitada e muito especial. Anunciava que estaríamos acompanhados por beduínos (nômades do deserto) e que passaríamos a noite em tendas e comeríamos uma deliciosa refeição genuinamente beduína. Imaginei logo aqueles acampamentos de filmes, com montes de camelos, cavalos, muita gente, dançarinas, música árabe, véus, enfim... Sabe tudo aquilo que a gente romanceia e imagina? Romanceei e imaginei.

Contratamos o passeio e nos preparamos. Muitas roupas para o frio da noite, uma garrafa de vinho e outra meia de uísque. Um sorriso meio bobo de crianças travessas e lá fomos nós dois para a nossa aventura. Deixamos o hotelzinho três estrelas no meio do oásis e, a caminho da agência onde pegaríamos o transporte até a “porta” do deserto, meu marido me recomendou que usasse o véu na cabeça por segurança – mulher sem o véu, ainda que turista, não é muito respeitada eno meio de um monte de beduínos, sabe-se lá o que poderia acontecer. Achei uma maravilha, estava mesmo querendo experimentar os véus que eu havia comprado de lembrança. Qual mulher já não se enrolou num véu à frente do espelho? Escolhi um bem bonito, em tons de vermelho.

- Que venham os beduínos aos montes! - Pensei, mas não disse palavra.

Na “porta” do deserto, o beduíno nos esperava com dois dromedários, cada um com mais de dois metros de altura. Quase desisti quando cheguei perto dos bichinhos, mas olhei para meu marido todo animado, no dia do seu aniversário, já se trepando em cima do animal marrom e não tive outra opção a não ser a de buscar meu assento no branco posto de joelhos por nosso guia. Tentei subir uma vez, duas e nada da minha perna alcançar o outro lado da “cela”. Meu marido já em cima da dele me incentivava:

- Vamos, querida! É bem alto aqui em cima...

Eu lhe sorri aquele sorrisinho às vésperas do desespero. Respirei fundo e... Pimba! Lá estava eu em cima do dromedário que subia rapidamente sem nem dar tempo de me ajeitar da sua cacunda.

- Ai, meu Deus, vou cair! – Pensei, mas não disse palavra.

Lá em cima, abri um sorriso. Com as pernas arreganhadas e a corcova no meio delas pelos joelhos, eu era, digamos assim, a deselegância em pessoa, ainda que com meu bonito véu a essas alturas todo desajeitado na cabeça e preso por uma toca.

Resolvi tirar uma foto lá do alto. Com uma das mãos segurando meu corpo em cima do “Ugh” – era assim que o beduíno chamava os camelos - e a outra tentando manejar a máquina digital, tirei algumas fotos meio tortas a caminho do “grand désert”.

Uma hora depois, com as coxas e virilhas assadas e meio mareados pelo bamboleio dos animais, estávamos no local da prometida “Uma Noite no Deserto”. Mas nada de outros animais além de “Ugh” e “Ugh”; nada de outras pessoas além de meu marido, do beduíno e de mim mesma; nada de tendas além da barraquinha de dois lugares que o homem nos entregou para que montássemos; nada de nada, muito menos de dançarinas: éramos mesmo só nos três e os dromedários.

Chegamos no final da tarde e o pôr-do-sol só não foi mais bonito do que a aurora do dia seguinte. Mas a noite caía rápido e o frio aumentava. Colocamos mais casacos, luvas, tocas e sentamos em volta do fogo aceso pelo beduíno que, com as mesmas mãos que guiou os dromedários começava a preparar a “genuína refeição”. Numa tigela amassava farinha de trigo e água e uma panela posta em cima do fogo fervia uma sopa de três pedaços de carne de carneiro, uma batata e uma cenoura, temperados com alguma erva e harissa (condimento apimentado à base de páprica e tomates).

Abriu a massa em disco, afastou as chamas, as brasas e um bocado da areia e a repousou ali mesmo, recolocando em cima dela a areia e novamente as brasas. Ao som das três notas entoadas em dó e bebendo o vinho, aguardamos famintos aquele pão e aquela sopa. O fogo dançava ao som da música e eu o observava feliz. Quem precisava de dançarinas, afinal de contas? Olhava para meu marido e achava até demais a presença do beduíno.

- Da próxima vez viremos sozinhos nós dois. – Sentenciei.

O frio aumentava noite adentro e fomos para a barraca, meu marido e eu, ainda com um pouco do uísque que dividimos um com o outro – o beduíno não bebe – e até que estávamos suportando bem o frio de menos dez graus. Mas naquela noite, depois de passar o efeito do uísque e do vinho, eu, que nunca me levando para ir ao banheiro no meio da madrugada, procurei uma moitinha no meio do areal por nada menos que sete vezes. Um frio de rachar a alma. Lá pelas tantas, quase menos quinze graus e meu marido, que me pedia a todo instante para chegar mais perto dele, declarou:

- Querida, acho que não vou sobreviver!

Enquanto sofríamos dentro da barraca com seis cobertores e um aquecendo o outro, o beduíno enrolado numa mantinha fina, dormia plácido ao relento, parecendo não se importar com o frio, perfeitamente integrado ao ambiente daquela enorme praia sem mar.

Pela manhã, depois da bela alvorada e de outro pão assado nas areias do Deserto do Saara, subimos nos “Ughs” e seguimos de volta para o agradável hotelzinho onde, depois de tomar banho, nos acomodamos na confortável cama e dormimos aquecidos.

Mais alguns campos queimados na beira da Rodovia Amaral Peixoto; mais alguns imprudentes cortando a frente do “mil-e-um” e estava eu de volta à minha casa na “porta” do Oceano Atlântico. Uma tempestade que se aproximava vinda do mar me deixou sem luz por parte da noite e, ali no escuro, apenas com a luz fraquinha da brasa de uma haste de incenso no meio do jardim de inverno, me pareceu ouvir, ainda que longe, o som das três notas entoadas pela flauta em dó do beduíno.

Nota: "mil-e-um" = viação de ônibus que serve à Região dos Lagos - RJ - Brasil.