sábado, março 08, 2008

Se eu não me chamasse Morgana


- Morgana! Morgana!

Acho que tem alguém me chamando no portão. Detesto que gritem meu nome no portão! Só por isso não vou acordar agora, nem vou me levantar agora...

- Morgana! Morgana!


... E também não vou mais me chamar Morgana.


Com os olhos colados e o travesseiro na cabeça, tontinha de sono, pensei: - Se eu não me chamasse Morgana? Se a roleta tivesse parado em outra casa e eu hoje tivesse outro nome? Teria a mesma personalidade? Seria eu desse jeitinho assim? Poderia me chamar Rosa, por exemplo.


Exalaria o perfume das flores se me chamasse Rosa? Esmeralda, certamente, não me chamaria, pois comum como sou, não tenho aquele brilho das preciosas. Também não me chamaria Graça – sou meio sem graça... (Nota-se, né? Ô trocadilho medonho!!!)


Lígia não me chamaria, nem ao piano do Tom, que, afinal, nunca sonhou comigo. Ana deixaria Amsterdã se fosse meu nome, e, apesar dos olhos tristes, também não me chamaria Carolina, nem carregando a dor de todo o mundo, nem a de Assis.


Não me chamaria Matilde sem poder amar Neruda; Isolda sem Tristão ou Julieta sem Romeu. De nada adiantaria chamar-me Raimunda ou Sebastiana... Maria de Alguma Coisa eu poderia me chamar, mas não sou de nada.


Quem seria eu se não fosse assim tão Morgana? A amada imortal de Beethoven?


Ah! Se eu tivesse as cores de Kahlo, mas quem gostaria de passar “Frida” por esta vida? Marquesa todas gostariam, mas alguém aí lembra o primeiro nome da de Santos?


Não gostaria de ser Helena e pôr em risco a cidade toda, e de forma alguma seria Salomé, nem pela cabeça do João. Também não seria Olga, apesar do orgulho que sinto. Mas poderia ser a “quase tudo” Clarisse, desde que nem tão “Perto do coração selvagem”.


É difícil saber! É difícil encontrar para nós mesmos a razão e o caminho de sermos o outro, ainda que nossa existência dependa do outro. Existiria eu sem você, leitor?


Um nome. Quando criança queria ser “Cláudia” como minhas amigas. Todas as minhas amigas se chamavam Cláudia, aliás, naquela época me parecia que todas as meninas do mundo se chamavam “Cláudia”, menos eu, e isso, naturalmente, se transformou em mais uma daquelas crises de personalidade adolescente.


- Por que você não me colocou o nome de Cláudia, mamãe!!! Tinha que colocar esse nome diferente em mim? Morro de vergonha na hora da chamada na escola. Todo mundo é “Cláudia” e só eu sou “morgana”!


Coitadinha da minha mãe!


Se nem sei que nome eu mesma me daria, como supus ser capaz de nomear meus filhos? Não os batizei em nenhuma religião, deixando para eles próprios a escolha ou não de um caminho religioso. Da mesma forma poderia tê-los deixado sem nome, para que escolhessem? A minha filha por pouco não se chamou Clara Adelaide, e até hoje ela agradece ao pai pelo nome que tem.


Quase desisti! Mas o sono estava indo embora a galopes e eu não queria acordar Morgana, de jeito nenhum. Queria um novo nome: Ana, Andréa, Aparecida? Berta, Berenice, Bernadete? Célia, Celina, Cristina? Denise, Diana, Débora? Elsa, Elisa, Eliane? Fátima, Fiusa, Fernanda? Geralda, Gilda, Guiomar? Hilda, Holoísa, Helena? Isa, Isolda, Ivete? Júlia, Juliete, Juliana? Kátia, Karine, Korina? Liliam, Leila, Liliane? Márcia, Mônica, Madalena... Ufa!


Madalena!
“O meu peito percebeu que o mar é uma gota”.

Abri os olhos e joguei de lado as cobertas, construindo a personalidade daquele nome. Agora que sou Madalena, preciso ser bastante “Madalena”. A minha Madalena não foi apedrejada por fanáticos, mas quem sabe ainda viveria outro “Romance no Deserto”, afinal, “até a lua arrisca um palpite de que nosso amor existe, forte ou fraco, alegre ou triste”.


Pronto, eu estava bem contente e ia ser Madalena por uns tempos. Levantei, e já caminhava para a sala quando ouvi aquela voz mansinha de menina:


- Mãe, tem uma pessoa te chamando no portão!


Acabaram-se as dúvidas, olhando aquela criaturinha que me chama “mãe”. Fosse quem eu fosse, mesmo que me chamassem “´Mesa”, “Papel” ou “Maçã”, ali estava o eu mais humano, mais real, mais sensível. O eu mãe, o eu mulher.


8 de março.

(
A coluna partida- 1944- Óleo sobre tela, de Frida Kahlo)

10 comentários:

Jacqueline disse...

Morgana, eu nunca vi uma pessoa tão parecida com um nome como você! Seu nome lembra força, beleza, decisão. E é nome de Fada. Também achava meio estranho quando pequena essa prima chamada Morgana, talvez pela raridade do nome, mas hoje acho tão lindo! Morgana Pessôa. Madalena também é bonito, mas ainda fico com Morgana. Porém, nada nos nomeia mais do que a palavra "mãe": é a maior das identidades, parece que já nascemos com ela latente dentro de nós. Adorei sua crônica no dia da mulher e vou enviá-la para minhas amigas.
beijinhos, querida Morgana

Anônimo disse...

O texto é agradável de ler, embora o fim tenha perdido o ritmo. Beijinhos!

Blu disse...

E o que seria de nós se você não fosse assim tão Morgana? Esse é um nome-adjetivo, próprio de mulheres únicas, inesquecíveis. Nada contra as Claudias...
Morgana, além de nome-adjetivo, parece também algo em processo, assim como um gerúndio (bem colocado, é logico), sendo você como é um constante vir a ser.
Por isso, a leitura do seu texto me ajuda a me apaziguar com aquilo que eu sou. Valeu, querida! Bjs, Aninha.

Rose disse...

olá como vai? eu amei,achei lindo de mais e fiquei muito emocionada.Beijos!!!!

Anônimo disse...

Lindo, MORGANA!. Também tenho uma filha que até hoje me culpa de ter um nome comum para a época de escola dela. Procurei, pensei e achei lindo ANDRÉA. Na semana seguinte ao nascimento dela alguem lança uma música com o nome dela. Explodiu-se Andreas, Andreias. etc... Não tem jeito. A únia coisa que mães sabem fazer. é amar, seja qual for o nome do filho.
Mas que Morgana é lindo, é. Embora ser acordada, quando se está embalada pelos braços de Morpheu, é para recusar qualquer nome.
Belíssimo e atual texto. Adorei saber que tem pessas iguais a mim.

Parabéns
Mirze

Anônimo disse...

Vc escreve do jeito que eu gosto de ler, despretensiosamente, e prende de um jeito que quase não consegui parar e voltar aos estudos. Amanhã vou parar para ler tudo. Já publicou? Qual o livro e onde encontro? Se é ensaísta deveria publicar. Como é que tanta gente boa escreve no orkut e nas livrarias não encontro o que comprar? (risos). Morgana é nada comum, nada sem graça, Morgana é forte e inquietante. Parabéns! Quero sua permissão para com os devidos créditos e feeds postá-la no meu blog (endereço no meu perfil do orkut).
Bjo carinhoso.
Jô Brazileiro

Morgana Pessôa disse...

Jô, publique o que quiser. Obrigada!

Larícia disse...

Oi Morgana, eu me chamo Laricia e naquela época não fiz diferente a perguntinha básica: Porque você me colocou este nome? Hoje já me acostumei. Parabéns pelo texto!
Abraços

José Calvino disse...

Você não é Morgana?
O meu é José Calvino.
Leio sempre o q vc escreve. O seu estilo é super-moderno, igualmente o seu lindo nome.
Parabéns, escritoramiga!
Beijos poéticos do,
José Calvino
Recife

Nathi disse...

Entre todos os "eus" que posso ser, acho que o que mais gosto de ser é aquele de quando estou sonhando antes de dormir!!

Simplesmente numa viagem de pensamentos, sem nomes ou restrições!!