segunda-feira, janeiro 22, 2007

O anel que tu me deste


Pulou do décimo andar. Sentia-se só. Não queria mais viver. Mesmo assim, viveu ainda algumas horas no hospital. Tempo suficiente para dizer que gostaria de dar um de seus caros anéis para a empregada. A que tinha lhe acompanhado nesses últimos anos de solidão desde que seu companheiro de vida inteira tinha partido pelo rumo do desconhecido, alguns anos antes. Tinham a mesma idade as duas. Falou para a filha:
- Dê a ela.
Era um anel de ouro, desses ouros bem ouros com aqueles quilates todos que um ouro bem ouro deve ter. E tinha três rubis cravados, verdadeiros. Da caixa em que estava guardado, de tampa bordada em prata e música, exalava um cheiro de sândalo e resplandecia o brilho dos outros anéis, todos de ouro bem ouro e pedras, dois com diamantes.
- O resto é seu. – Havia dito a mãe moribunda à sua filha única.
De frente para aquela caixa, ficou pensando na empregada. O que ela faria com o anel de sua mãe. Havia ganhado de seu pai, talvez de aniversário de casamento, talvez de Dia dos Namorados, talvez pelo nascimento da filha. Aquele anel representava um carinho de seu pai por sua mãe. Certo era que a caixa estava repleta desses carinhos.
- Quanto vale este anel? – Pensou e procurou saber. Valia muito, muito mais do que a empregada tinha ganhado cuidando de sua mãe por todos aqueles anos.
- Não vou dar. Ela vai vender o anel e gastar o dinheiro. Não vai dar o valor que ele realmente tem, o valor além do dinheiro. Não, não vou dar. Mas a mãe lhe havia pedido que desse. Um pedido último.
- O que eu faço? É melhor eu pensar um pouco. Não preciso resolver isso agora.
A empregada foi dispensada de seu trabalho, depois da morte da sua patroa e a filha dela, indecisa, continua pensando.

4 comentários:

Wagner Marques disse...

É, Morgana, acho que devemos sempre refletir acerca do que a vida nos dá, mesmo que estejam simbólicamente escondidas em um anel. O que faremos com os anéis de valores que se invertem em nossa sociedade?

Gostei mesmo do texto! Ótimo...

Te convido a dar uma visitada em meu blog:

www.wagnermarques.blogspot.com

Tudo de Bom p vc!

fik na Luz!

Inês Martins disse...

nossa..que lindo..
eu tb tô aqui, pensando..nos anéis que eu jamais entreguei. Adoro este espaço..Acho que vou linkar no meu..pode?

Beijocas.
Inês

www.dj-vu.blogspot.com

*LIS disse...

Belo texto, belo mesmo. Belíssimo.
Não julgo a filha por seu raciocínio, mas também como sendo um último pedido... E ela continua pensando...
Só acho que para darmos nossos anéis é complicado o caso de, ao pensar em como a pessoa o receberá, se dará seu valor... O fato é que, temos que confiar.

Vou te linkar e quero voltar aqui.
Parabéns!

music-ando.blogspot.com

Jana disse...

Adorei este texto, retrata o egoísmo nosso de cada dia...
Particularmente nao gosto de jóias por motivos semelhantes ao que o texto expoe. Ficamos apegados a pedacinhos de metal trancafiados numa caixinha ao longo das geracoes enquanto isto tanta gente precisando.