sábado, janeiro 06, 2007

Casamento de Alice

- Então a velha Alice me perguntou: o senhor topa?

Manuel Carvalho está prestes a completar noventa anos e é o viúvo da “Velha Alice”, aquela a quem eu pretendo biografar tão logo conclua a história da Dona Benvinda Maria, do Rancho Folclórico Português do Rio de Janeiro. Na verdade, a “Velha Alice” é Maria Alice Pessôa, jovem viúva do seu tio-marido, o coronel João Pessôa de Albuquerque (do Rio Grande do Norte e parente do da Paraíba, aliás, dizem que a família Pessôa é uma só, com acento circunflexo ou não). Viúva também de seu grande amor, o também coronel (Arra! Que é muito coronel naquela terra!!!) e também Manuel, só que Ferreira - Manuel Ferreira.

Alice era jovenzinha de 18 anos e noiva do pequeno proprietário de terras, Manuel Ferreira, igualmente jovem. Acontece que ela morava com velhos parentes muito pobres e, diante do desejo do sessentão Coronel João Pessôa de Albuquerque, de se casar com ela, seus parentes sucumbiram, afinal, o Coronel era o mantenedor de toda a família.

- Ela não vai se recusar, sabe que a gente precisa. E, além do mais, ela também deve favor ao Coronel, afinal, quem é que sustenta essa família?

Mas Alice estava apaixonada por Manuel Ferreira, daquelas paixões deliciosas da juventude, pela qual somos capazes de tudo. Naturalmente, ela se recusou. De personalidade rebelde toda a vida, Alice trancou-se no quarto e disse:

- Não caso não. Só caso se for com Manuel Ferreira.

“Ela casa sim!” Disse o parente.

- Espere só a fome bater! Ela sai correndo do quarto e casa com o Coronel.

- Alice! Deixe de arenga, menina!!!

Paciente, o Coronel esperou algumas semanas, durante as quais, tratou de dar uma ajudinha (sabe-se lá qual...) para o noivo Manuel Ferreira desistir do casamento e sumir da cidade.

Alice Pessôa e o seu Coronel de Albuquerque casaram sim e tiveram dez filhos, dos quais apenas três “se criaram”, e Manuel Ferreira partiu para o Amazonas, permanecendo lá por muitos anos, solteiro e fazendo sua fortuna. Voltou quando soube do assassinato do Coronel e da viuvez da sua amada, agora herdeira de grande patrimônio deixado pelo tio-marido.

Casaram os dois e foram felizes para sempre. Infelizmente, porém, o “para sempre” durou apenas cinco anos. Jurado de morte por brigas de terras, Nel Ferreira foi assassinado quando voltava da vila com os fogos de artifício para a festa de São João.

Uma tristeza para Alice, ainda jovem de seus trinta e poucos anos. Jurou que não casava mais. Entretanto, com mais um filho - este de Manuel Ferreira – e um grande patrimônio em terras para administrar, foi aconselhada por um parente a se casar novamente, pois não tardaria a ter suas fazendas saqueadas.

- Mas casar com quem?

Manuel Carvalho era um jovem comerciante, quinze anos mais novo que Alice – que já passava dos 35 -, muito bonito e promissor. Foi a indicação do parente que, agora, entretanto, não podia mais impor um marido a ela, mas apenas indicar.

Alice foi à bodega de Manuel Carvalho que ficava em frente à sua residência na pequena São Miguel (RN). Ela já havia percebido os flertes do rapaz, mas desviava o olhar sempre que ele insistia em ir à frente da loja quando a via na janela.

Quando chegou lá, Manuel era só sorrisos para com a viúva. Encostada num canto perto do balcão, uma caixa chamou a atenção de Alice. Estava cheia de louças e utensílios de cozinha. Manuel Carvalho havia desfeito recentemente o noivado com uma moça da cidade e alguns objetos ainda permaneciam na caixa.

- O que são estas coisas? – Perguntou Alice. – O senhor vai se casar?
- Vou sim. – Respondeu todo galante.
- E eu posso saber com quem o senhor pretende se casar?
- É com a senhora mesmo.

Manuel pensou que surpreenderia a jovem senhora com sua afirmação, mas tomou um susto quando ela lhe respondeu segura:

- Só se for hoje mesmo. Um casamento à americana, a meia-noite na sacristia da Igreja, só o senhor e eu e as testemunhas, o senhor topa?

Sabe aqueles três segundos na vida da gente que fazem a enorme diferença pelo resto das nossas vidas? Pois foram estes os três segundos de Manuel Carvalho, mas foram muito mais do que ele precisava para responder.

- Topo.

E se casaram, em 29 de setembro de 1938, naquela Igrejinha lá de cima, hoje reformada.

Ah, Manuel Carvalho conta, ainda, que passou vários dias recebendo a visita de Tiburcinho Sacristão, que ia lá na bodega a mando do padre, sempre para receber por uma taxa, por conta do casamento “à americana”.

- Era taxa de urgência, de pendência, de anuência... Haja paciência!!! Um dia, fui lá na Igreja e chamei o Padre. Olha aqui, disse eu pra ele, o senhor me diga aí quanto é que eu lhe devo que eu vou lhe pagar agora é tudo de uma vez. Vamos acabar com esse negócio de Tiburcinho estar todos os dias lá na bodega catando dinheiro, que com isso aí já se vai uma fortuna.

O padre se aquietou e deu-se por satisfeito com mais alguns réis. Este mesmo padre batizou seis dos dez filhos que Alice teve com Manuel Carvalho. Os outros quatro não sobreviveram.

Alice nasceu em 1903 e morreu aos 67 anos.

8 comentários:

Anônimo disse...

Um casamento com coronel bem velho, é sempre um bom princípio de vida :)
Ja agora gostaria de saber mais sobre o idilio com o segundo marido, afinal, o grande amor de sua vida, e o periodo de tempo em que as idades dos dois eram parelhas. No fim ela acabou se relacionando com um homem muito mais novo que ela, sem no entanto ter chegado ao diferencial entre ela e o coronel. Passou na sua vida por tres relacionamentos com diferenças etárias notáveis. Conta mais vá!

Anônimo disse...

Fala-se muito dos casamentos arranjados de antigamente que as jovens noivas sofriam; casavam apaixonada por outro. Esses casórios eram uma maneira que a Providência Divina achou para resolver os problemas dos velhos ricos, ridículos, muitas vezes carentes, e ao mesmo tempo fazer uma distribuição justa de renda em favor das famílias pobres. Muitas jovens podres entendia o espírito da coisa e humildemente transformavam suas vidas para melhor. Algumas, como a jovem Alice, cumpriu sua jornada e na curva do caminho ainda encontrou seu amado. Apagou o fogo da paixão e sobrou lenha para outra. Há muitas histórias, a ser contadas, gostosas se de ler como está. um abraço, Ademar

Anônimo disse...

Como sempre, delicioso,
a vontade que dá é sair desta Maravilhosa Cidade, que moro e que está tão estressante e ir visitar cada cantinho que vc tão bem descreve nos livros, deve ser
delicioso.
Parabéns vc está cada dia melhor e acho que estou tendo a felicidade de acompanhar o crescimento de uma grande escritora brasileira.

Morgana Pessôa disse...

Depois eu conto mais... rsrs. Essa Alice não era mole não, na próxima semana eu vou contar como foi que ela fez para seu marido (Tinel Carvalho) ser o único fiel em toda São Miguel, mesmo quando chegou por lá o Puteiro Santo Antônio, com as quengas mais lindas da paróquia!!!

Inês Martins disse...

amei o texto! tô gostando tanto de ler q acho q vou fik "morando" por aqui mais uns dias. Beijos!

Vitalino Cara D'Anjo disse...

Interessante o seu Blog... Gostei.
Cara D'Anjo

http://freguesiacolares.blogspot.com/

Anônimo disse...

Oi Morgana, parabéns pelos textos. Não conhecia seu blog e estou achando interessante visitá-lo, com esses textos saudáveis que tens escrito. Pode servir de exemplo de boas crônicas, para estudantes de Jornalismo, não é mesmo? Grande abraço e feliz 2007.

Ah, interessante seu texto sobre a morte. Só acho que os algozes merecem outra punição que não a que eles mesmos escolheram para matar outros seres humanos... Não sei bem qual, mas acho muito impactante tudo em relação a Saddam Hussein, ao Pinochet entre outros... Infelizmente, talvez, o Pinochet tenha morrido do coração... e devesse ter vivido para ser julgado e condenado por seus crimes, publicamente. Mas, enfim, esses são os paradoxos que a Humanidade vai vivendo em seus tempos de mudança e com a implantação de novos processos de comunicação, que vão se instaurando na sociedade. Enfim, acho que precisamos de muita coragem para viver esses dias. Grande abraço, Neusa Ribeiro, Jornalista e professora.

andrea disse...

Meu nome é Andrea Pessoa,sou do Rio Grande do Norte.Meu pai Porfírio Plácido Pessoa nasceu em Coité na Paraiba.Tenho curiosidade em descobrir minhas origens.Fiquei muito feliz em ler esse texto.obrigada pela oportunidade.