domingo, dezembro 10, 2006

Qual é a sua praia?

Sim, porque cada um tem a sua, não é? Estamos sempre ouvindo alguém afirmar: - Essa é a minha praia! Ou: - Essa não é a minha praia! Entretanto, há aquelas praias que são a praia de todo mundo. Ponta Negra é assim.

Tem gente de tudo quanto é lugar do mundo por aqui. Quando cheguei em Natal, há pouco mais de dois meses, enquanto procurava um local para permanecer esse tempo, com quem estive me dizia: - Ponta Negra não serve, porque só tem gringo e puta.

As putas não vi nenhuma por aqui, mas gringo tem de montão.

Apesar da colocação preconceituosa, acabei mesmo num flat em Ponta Negra. Tá certo que tudo por aqui custa três vezes mais caro do que em qualquer outro lugar do Rio Grande do Norte, afinal gringo paga em dólar e euro e o que custaria um real, imagine o leitor, passa a custar um dólar, um euro. Como um é sempre um e é barato em qualquer lugar, tanto faz cobrar um real como um euro. Só que para mim ou qualquer outro brasileirinho de outras terras por aqui, esse pequeno detalhe faz uma grande diferença.

Para fazer as unhas, por exemplo, aqui paguei doze reais pé e mão, em São Miguel – lá naquela terra de doidos – paguei somente cinco, no salão da Graça, que é uma gracinha de pessoa, do alto de seus metro e dez de altura, conseqüência dos inconseqüentes amores entre seus parentes antepassados, mas isso foi outra crônica... (leia Casa de Doido, abaixo).

Em Ponta Negra tudo é caro mesmo. Paga-se por tudo por aqui e todo mundo dá um jeitinho de ganhar dinheiro alugando ou ensinando qualquer coisa. Aqui, o cidadão do mundo paga para aprender o surf de água e o de areia, nas dunas – menos a do Careca que está interditada, porque estava ficando cada vez mais careca com o desce-desce das pranchas, papelões ou o que mais eles usavam para escorregar naquele tobogã natural.

Apesar de ser potiguar de nascença, sou carioca de jeito e com esse jeito de “essa é minha praia” que o carioca tem em qualquer praia do mundo, cheguei mandando. Vi a areia cheia de guarda-sóis e espreguiçadeiras, dessas de beira de piscina. Me animei toda:

- Oba! Quero aquela ali que é a maior.

Fui logo me aboletando na cadeira. Larguei a canga pra lá e me preparava para lagartear ao sol quando chegou o dono da bola e cantou a parada, no mais carioquês que um potiguar pode falar para ser bem entendido:

- É dérreal.

Olhei para o lado para me certificar de que era comigo que falava o sujeito com um cigarro no canto da boca e a pressa de um dono de bar com a casa cheia.

- Heim? – Perguntei incomodada procurando o que ele estava tentando me vender.

- É dérreal pra sentar.

- Como é que é? Dez reais pra sentar? Mas e se eu quiser tomar uma cerveja?

- É dérreal só pra sentar, o consumo é à parte.

- Ah, é? E quanto custa a latinha de cerveja?

- Trêrreal.

- E a água de coco?

- Dois e cinqüenta.

- Tá maluco!

Me levantei para ir embora ao mesmo tempo em que chegava um casal de franceses e o sujeito do cigarro lhes oferecia as cadeiras ao lado. A francesinha, que arriscava aqui e lá uma palavra numa língua enrolada parecida com o português, informava ao seu companheiro:

- Oh ! Ce n’est pas cher, il n’est pas cher. Non ser caro non.

Fiquei incrédula ouvindo a francesa achar barato os preços cobrados. Sentaram felizes e eu ali pensando: - Ou eu sou muito pobre ou esses turistas são muito otários! – Na verdade eu sou, e a Graça de São Miguel é, e todos os brasileiros – ou quase – somos, mesmo muito pobres. Mas que aqueles turistas são também muito otários isso são, e digo por quê. Eu peguei minha canga e estiquei na areia, num dos poucos espaços livres das barracas de aluguel, esperei menos de dois minutos e passou uma carrocinha vendendo cerveja: um e cinqüenta a latinha. “Bom” – pensei – “melhor perguntar se é real, dólar ou euro”. Mas era bem real mesmo.

Tomei minha cervejinha por um e cinqüenta enquanto os gringos gastaram treze, pelo menos.

Bem, como eu estava dizendo, cada um tem sua praia, mesmo que a praia seja a mesma. Ali, ao lado da minha latinha, confabulando com esse monte de gente que mora em mim, ouvi o forró que tocava no carrinho de som dos vendedores de Cds. O menino parou a alguns metros de mim numa barraca que o solicitava, no mesmo momento, um casal da barraca se levantou e largou uns passos de dança pela areia, num ritmo bem sacolejado e chamando a atenção não só de mim, mas de todo mundo ali por perto. Como uma câmera de cinema, fui abrindo minha visão lentamente em panorâmica, passando por duas velhinhas, bem velhinhas, que, ao lado de tantas outras pessoas que desfilam naquela pista internacional, caminhavam pela beira do mar, uma delas tentando se alongar com os dois bracinhos esticados para o alto e vergando para um lado e para o outro. Para cada lado que jogava os braços, eu pensava: - Vai quebrar! – E era grande alívio quando percebia que ela conseguia retornar à posição inicial, menor somente que minha agonia quando ela vergava para o outro lado: - Agora quebra!

Ampliando mais um pouco meu ângulo de visão, na beiradinha d’água, um instrutor bonito e bronzeado preparava dois branquelos desengonçados para subirem pela primeira vez numa prancha de surf. Abrindo de vez a panorâmica, muita gente passando pra lá e pra cá, de todas as cores, com todo tipo de biquínis e sungas de banho, vários com a bandeira do Brasil – que coisa mais brega! Só podem ser americanos.

E vendedores de tudo o que se possa imaginar, desde carrocinhas de milho-verde, espetinhos de camarão, água de coco, castanhas, salada de frutas, bebidas diversas, até butiques motorizadas com direito a modelos desfilando pela praia, passando, ainda, pelos inúmeros artistas e artesãos de todo jeito, vendendo tudo o que é arte. Sem contar aqueles que, não tendo o que vender ou ensinar, pedem esmolas com estilo próprio e cheios de histórias, como o senhor sem pé que me abordou:

- Bom dia, minha amiga! Que tal ajudar este velho veterano de guerra que perdeu o pé lutando pela nossa pátria?

E atrás dessa introdução, o homem, que não devia ter mais do que 65 anos (ou seja, quatro anos em 1945), fazia um extenso relato sobre as batalhas das quais participou. Interessada mais no personagem do que nas mentiras que alardeava, eu até teria lhe dado um pagamento por sua performance se eu não tivesse comigo apenas o suficiente para a cervejinha que já findava. Quando lhe disse que estava dura e que não poderia ajudá-lo, o velho se revoltou:

- Então, eu lhe salvo a vida e a pátria e é essa a recompensa que recebo?

Me pegou de surpresa, comecei a rir, e daí o sujeito se enfezou mais ainda. Começou a praguejar e amaldiçoou até a minha quarta geração, enquanto escrevia qualquer coisa num caderno que levava consigo. O velho saiu andando e resmungando, enquanto eu recolhia também a minha canga.

É hora de voltar pra casa. Essa praia não é minha.

Um comentário:

Anônimo disse...

Amiga,
Como sempre delicioso ler o seu "escrito".
Realmente tem horas que a gente fica, de mero espectador da vida, procurando a nossa praia.
Adoro seu jeito leve, livre e solto de escrever, bem carioca.
Aqui é a sua praia.
Mas continue nos mostrando "praias" que não conhecemos.
bjssssssssssss
Fátima