segunda-feira, dezembro 04, 2006

Casa de Doido

- Por ali todo mundo tem um na família.

- Quase todo mundo; na minha não tem não.

Frase popular, que eu julguei fosse somente folclore, diz o seguinte: “Toda família tem seu doido”. Olho pr’um lado e pro outro e me pergunto:

- Tem um doido na minha família?

Num momento me convenço que não tem não, mas em seguida, penso:

- Quem será o nosso doido? Quem será que mora na nossa Casa de Doido?

Essa aí da foto estava lá em Coronel João Pessoa (RN), pertinho da fazenda “Quintos”, que hoje pertence aos herdeiros do próprio Coronel. E havia outras, várias por lá.

- Tem uma ruma! – Respondeu-me Alguém. – Ói, ali tem ôtra... Ói ôtra ali.

- Mas tem tanto doido por aqui?

- Tem uma ruma! Tem uma famí’ali que tem cinco. Um de cada mudelo.

Um desses “mudelos” era Onório de Chico Lulu, que foi mandado para a Casa de Doido porque atravessou nu a cidade com dois baldes pendurados num pedaço de pau carregado nos ombros. Foi assim até o açude e, na volta, com os baldes cheios d’água, foi mandado para a Casa de Doido.

- Tem deles que não saem nunca mais! – Informou Alguém.

Foi assim com o Marcelino Pedreiro, que não cansava de repetir para quem passasse:

- Avia, minino, deixe d’arrumação!

Seguia seu “cristo” por onde ele fosse repetindo daquele jeito bem rapidinho:

- Avia, minino, deixe d’arrumação! Avia, minino, deixe d’arrumação! Avia, minino, deixe d’arrumação! Avia, minino, deixe d’arrumação!

Acho que ele queria era endoidar a cidade inteira. Mas a cidade inteira se reuniu e decidiu o destino de Marcelino. Esse saiu da Casa de Doido pra "Casa de Morto" – que dava quase no mesmo.

Voltando de Quintos, passamos em frente da casa de Neto de Carmo, morador da fazenda. A casa dele é de tijolinhos aparentes, mas muito simples e rústica, daquelas que ainda usam a “casinha” para as necessidades. Essa “casinha”, um dia, ficou cheinha de jararacas que fizeram um ninho lá na fossa e provocou um vexame danado em muita gente, cada vez que uma tentava beliscar a bunda do cidadão. Vários sairam correndo nus da “casinha” de Neto de Carmo, correndo das jararacas. Esses foram perdoados e não foram pra Casa de Doido não.

Neto de Carmo, que era casado com sua sobrinha legítima, tinha duas filhas e as duas endoidaram. Como era muito apegado às “meninas” e elas brigavam muito, ele construiu duas Casas de Doido uma de cada lado da casa, geminadas a ela. Cada uma com apenas uma porta e um buraquinho para entregar as refeições às filhas.

Leilane e Lidiane eram doidas socializadas e não ficavam muito tempo lá dentro não. Quando uma delas sentia que estava pirando, ia pra sua Casa de Doido com suas próprias pernas e ali permanecia até que se julgasse social novamente.

Quando passamos, de dentro do nosso quatro-por-quatro climatizado, ouvimos Lidiane gritar pelo buraco da comida:

- Ei, venh’aqui! Ei, venh’aqui!

Ao ver dentro daquele pequeno retângulo, o reflexo das lentes dos óculos e o brilho do sol nos cabelos brancos da senhora, pedi que parassem o carro, mas Alguém alertou:

- Pare não que ela xinga!

- Xinga?

- Xinga. Você chega ali no buraco e ela só faz xingar, só faz xingar.

Deixamos Lidiane no seu inferno e seguimos. O sol rachando lá fora e eu intrigada. Um lugar tão bonito, com uma luminosidade incrível, um lugar que conserva as mais antigas tradições nordestinas, uma região de serra onde mesmo nesta época de estiagem, consegue manter o encantamento de seus vales e a água de seus açudes, um lugar desses onde as pessoas deveriam estar sempre de bem com a vida, entretanto, apresenta esse índice tão elevado de maluquices, dentro e fora das Casas de Doido.

Alguém explicou que não era uma questão social ou ambiental, mas sim de ordem genética, causada pelo grande número de casamentos entre parentes. São primos que se casam entre si, e seus filhos que se casam com os primos, que se casam com tios, que casam novamente com primos e por aí afora. Isso há alguns séculos. Essas deformações genéticas, entretanto, não se deram apenas neurologicamente não, há, ainda, famílias inteiras com deformações físicas causadas pelo mesmo motivo. Alguns geneticistas, entretanto, discordam desta tese.

No fim do dia, repousamos assistindo ao pôr-do-sol no Açude do Jacó, em São Miguel, do oeste. Esse aí que divido com vocês.

5 comentários:

Julia Pessoa disse...

putz! vc bem q podia construir uma casa de doido pra gente hein? muitissimo util!

Morgana Pessôa disse...

He he, acho que já até sei quem é o(a) doido(a) nesta família.

Anônimo disse...

=P
eh doido d+ por essas bandas aki mesmo neh!
adorei o texto
teu blog ta otimo

xau
bjx

Anônimo disse...

boa crônica,
na minha família
tem um tb
rs
abraço
astier

Anônimo disse...

Quanto custa uma casa de doido desta??? Estamos precisando de um tanto destas por aqui!!!
rsrsrs

Muito boa a cronica!! sempre que postar uma nova manda que faço questão de ler!!!

Angelica Andrade