- Aquela, assim, que fica numa esquina, sabe qual?
Há centenas de esquinas em Copacabana e, em praticamente todas, há uma lanchonete ou um bar ou um botequim, o que é mais comum - e reflete bem a cultura do bairro. Aliás, quantas esquinas têm em Copacabana? Vou contar qualquer dia, ando mesmo um bocado à toa...
- Mas é aquela que fica aberta até tarde... Ele chega sempre depois das quatro da manhã, daí nessa hora eu me levanto, vou até ele e a gente fica de “conversê” até de manhã... Sabe como é, né? Por isso eu tô com essas olheiras assim grandes...
Dividem os dois cômodos com os quatro filhos que devem ouvir o “conversê” de Celminha e seu marido.
- Nada! A gente conversa baixinho...
Imagino que deva ser bem perigoso subir o morro de madrugada, mas Celminha afirma que não. Perigoso mesmo é quando sobe a polícia.
- Daí sim, porque eles já sobem atirando pra todo canto. Nesses dias quem tá embaixo fica embaixo, quem tá em cima se esconde onde pode. As crianças vão prum buraco debaixo da cama que fizemos, porque eles ficam sozinhos lá depois da escola. Um cuidando do outro. Quando escuto os tiros aqui da creche, meu coração aperta, mas entrego a Deus. Ele sabe o que faz.
Será que sabe? Será que alguém sabe quantas esquinas têm em Copacabana?
Do lado da creche, bem ao lado, coladinho mesmo, tem uma escola municipal e, em frente a ela, guardando a segurança dos moradores, uma patrulhinha fica parada com dois policiais. No último tiroteio – esse que deu nos jornais, em que a polícia subiu o morro enlouquecida atrás do ladrão de galinhas, o Tico, de vinte anos, que roubou o italiano e que o jogou no meio dos carros na Vieira Souto – os dois permaneceram dentro da viatura, um lia o Dia D enquanto o outro lutava com seu celular, “pitocando” as teclas incansavelmente.
- A gente não pode fazer nada não. Não podemos nos meter com o morro. O morro é outro departamento. Nossas ordens são para permanecer aqui.
Também, pudera, mesmo se quisessem se mandar dali, só poderiam se fosse a pé, porque de carro, babau! Não dá. O pneu está furado há meses e deu pane no carburador. Saiu até nos jornais. Fizeram reportagem especial, entrevistaram autoridades, mas resultado mesmo, nenhum. A patrulhinha continua lá “guardando a segurança” no meio do fogo cruzado, como os filhos de Celminha e todos nós.
O Tico sumiu. Dizem que mataram para a polícia sair do morro. A mãe do rapaz tá desesperada. Celminha conhece ela e garante:
- São tudo gente boa!