segunda-feira, janeiro 29, 2007

Seis vezes

Já fiz seis vezes, não consigo parar. Todas as vezes digo a mim mesma: é a última vez, não faço mais, juro! Mas não consigo parar.

A primeira vez eu fiz imitando um outro. Sabe aquele sentimento de: - Como é que eu não pensei nisso antes? Aquela coisa da idéia de outro parecer ser sua idéia de tanto que se parece com você mesmo.

Pode parecer um pouco complicado, mas já fiz seis vezes e não consigo parar. Confesso que fui eu sozinha que resolveu copiar a idéia do outro. Essa culpa assumo e pago a conta. Mas logo na primeira vez, quando contei para uma amiga o que eu pretendia, ela resolveu fazer também e fizemos juntas. Hoje nem faço mais assim tão sozinha. Muita gente resolveu fazer também. Está se tornando uma febre. Cada vez que eu faço, mais e mais pessoas aparecem querendo fazer também. E então começo a pensar que mesmo se eu que eu queira parar agora, acho que não vou conseguir. A não ser que eu fuja.

Mas como é que se foge de uma coisa assim? Mesmo se eu desaparecer, o que eu fiz não vai desaparecer junto comigo porque já tem muita gente fazendo também. Isso que eu fiz não tem volta...

Que bom! Porque mesmo que eu pare de fazer isso, o Concurso Nacional de Dramaturgia e Leituras Dramáticas, em Araruama (Rio de Janeiro - Brasil), não vai parar, e a sétima edição será em setembro 2007, em parceria com a Prefeitura Municipal de Araruama, que anda fazendo isso comigo também há cinco anos, sem conseguir parar.

A todo mundo que como eu não consegue parar de fazer isso, obrigada! E a você que ainda não fez, vem fazer isso com a gente, mas cuidado, porque você pode acometer-se desta febre e não conseguir mais parar de fazer isso também.

Abaixo, os indicados e vencedores da VI Edição do Concurso, que aconteceu neste final de semana (25 a 28 de janeiro 2007), no Teatro Municipal de Araruama.

Participaram os textos:
A casa mal assombrada, de Cris Almeida (São Vicente – RJ)
A voz na montanha, de Perla Duarte (Araruama – RJ)
E quem chora pelas carpideiras, de Keyvin Cunha (Araruama – RJ)
Campo Grande Tiradentes, de Almir Gusmão (Niterói – RJ)
Até que o teto desabe, de Carlos Renato (Itabirito – MG)
Baila Comigo, de Juliano Marciano (São Caetano do Sul – SP)
Dois por um bordeaux, de Ed Anderson Mascarenhas (São Paulo-SP)


Melhores segundo o Júri Popular:
Leitura de A Casa Mal Assombrada (VENCEDOR)
Direção de A Voz na Montanha
Leitura de E quem chora pelas carpideiras?


Melhores Atores:
Matheus de Sá, por A voz na montanha (VENCEDOR)
Arthur Schreinert, por Campo Grande Tiradentes
Eduardo Almeida, por Campo Grande Tiradentes.


Melhores Atrizes:
Perla Duarte, por A voz na montanha;
Jeanne Lacerda, por E quem chora pelas carpideiras? (VENCEDORA);
Valéria Pedrassoli, por Dois por um bordeaux.


Melhores direções:
Dany François, por E quem chora pelas carpideiras?
Carlos Renato, por Até que o teto desabe (VENCEDOR)
Ed Anderson Mascarenhas, por Dois por um bordeaux.


Melhores Leituras:
E quem chora pelas carpideiras? (VENCEDOR)
Até que o teto desabe;
Dois por um bordeaux.


Melhores Textos
E quem chora pelas carpideiras? (1° Lugar)
A voz na montanha (2° Lugar)
Até que o teto desabe (3° Lugar)


Outras fotos e a reportagem completa do Concurso está no site da Editora Cartaz Cartolina, em www.editoracartaz.com.br

segunda-feira, janeiro 22, 2007

O anel que tu me deste


Pulou do décimo andar. Sentia-se só. Não queria mais viver. Mesmo assim, viveu ainda algumas horas no hospital. Tempo suficiente para dizer que gostaria de dar um de seus caros anéis para a empregada. A que tinha lhe acompanhado nesses últimos anos de solidão desde que seu companheiro de vida inteira tinha partido pelo rumo do desconhecido, alguns anos antes. Tinham a mesma idade as duas. Falou para a filha:
- Dê a ela.
Era um anel de ouro, desses ouros bem ouros com aqueles quilates todos que um ouro bem ouro deve ter. E tinha três rubis cravados, verdadeiros. Da caixa em que estava guardado, de tampa bordada em prata e música, exalava um cheiro de sândalo e resplandecia o brilho dos outros anéis, todos de ouro bem ouro e pedras, dois com diamantes.
- O resto é seu. – Havia dito a mãe moribunda à sua filha única.
De frente para aquela caixa, ficou pensando na empregada. O que ela faria com o anel de sua mãe. Havia ganhado de seu pai, talvez de aniversário de casamento, talvez de Dia dos Namorados, talvez pelo nascimento da filha. Aquele anel representava um carinho de seu pai por sua mãe. Certo era que a caixa estava repleta desses carinhos.
- Quanto vale este anel? – Pensou e procurou saber. Valia muito, muito mais do que a empregada tinha ganhado cuidando de sua mãe por todos aqueles anos.
- Não vou dar. Ela vai vender o anel e gastar o dinheiro. Não vai dar o valor que ele realmente tem, o valor além do dinheiro. Não, não vou dar. Mas a mãe lhe havia pedido que desse. Um pedido último.
- O que eu faço? É melhor eu pensar um pouco. Não preciso resolver isso agora.
A empregada foi dispensada de seu trabalho, depois da morte da sua patroa e a filha dela, indecisa, continua pensando.

domingo, janeiro 14, 2007

A Condessa de Copa

Morava em Copacabana e tinha sete anos. O prédio abrigava uma antiga condessa no quarto andar, no apartamento em frente ao nosso. Sua sala, que um dia consegui ver através de uma brechinha descuidada, mais parecia uma loja de bibelôs, tantas peças decorativas e tão lindas. Morava sozinha a condessa e já era bem, bem, bem idosa, dessas que deslocam as pernas na curta distância de um pé quase sem tirá-los do solo. No nosso apartamento, do mesmo tamanho, morava meus cinco irmãos, meus pais, a Baía, e, vez por outra, ainda parentes vindos do Nordeste, de onde nós também viemos.

Sorte que, acima de tudo isso, junto à cobertura, havia um playground, onde brincávamos de todas as brincadeiras possíveis. Alguém, certo dia, teve a idéia de colocar lá uma mesa enorme. Perguntei a serventia e me responderam ser para as festas que aconteciam lá eventualmente. Os meninos resolveram jogar ping-pong nela, mas para mim era alta demais. Errava todas as jogadas e ninguém me queria nem como adversária.

Brincava, então, de casinha, embaixo da mesa, que forrava com um pano, cujas quedas laterais formavam as paredes da minha “casa”. Evoluindo dessas brincadeiras de casinha, de faz-de-conta e de historinhas, mesmo tendo, até então, ido muito pouco a teatros, acabamos, minhas amiguinhas (parceiras nas brincadeiras) e eu, por utilizar a mesa também na parte de cima, como palco para as nossas brincadeiras.

Muito extrovertida que eu era, sugeri que criássemos uma pecinha adaptada de “Alice no País das Maravilhas” e convidássemos os moradores do edifício. Ao invés da Rainha de Copas, criei a Condessa de Copa e por aí fomos ensaiando nossa aventura e convidando a todos para a estréia.

No dia esperado, o playground estava cheio das crianças do nosso prédio e dos vizinhos que também chamamos. Além de escrever, dirigir, atuar e produzir o “espetáculo”, eu ainda tive o cuidado de comprar algumas guloseimas e revendê-las na platéia, numa bandeja tal qual a bandeja dos baleiros que conhecia. Lá estava eu, de boné virado pra trás, com um macacão e gritando:

- Olha a bala!!! Baleiro!!!

Tal qual havia visto e cobiçado, gulosa, nas ruas de Copacabana, em frente às escolas, aos cinemas e teatros. Era mais um personagem que criava.

Em cima da mesa o cenário pronto. Alguns minutos antes de começar o espetáculo, deixei de lado o meu baleiro e assumi a Condessa de Copa.

Foi certamente ali que tudo começou.

Esta é a apresentação do meu livro “Peças, primeiro ato” com cinco textos para teatro, que estarei lançando no próximo dia 26 de janeiro, às sete da noite, em Araruama, durante o VI Concurso de Dramaturgia e Leituras Dramáticas. Desde já, estão todos convidados.

sábado, janeiro 06, 2007

Casamento de Alice

- Então a velha Alice me perguntou: o senhor topa?

Manuel Carvalho está prestes a completar noventa anos e é o viúvo da “Velha Alice”, aquela a quem eu pretendo biografar tão logo conclua a história da Dona Benvinda Maria, do Rancho Folclórico Português do Rio de Janeiro. Na verdade, a “Velha Alice” é Maria Alice Pessôa, jovem viúva do seu tio-marido, o coronel João Pessôa de Albuquerque (do Rio Grande do Norte e parente do da Paraíba, aliás, dizem que a família Pessôa é uma só, com acento circunflexo ou não). Viúva também de seu grande amor, o também coronel (Arra! Que é muito coronel naquela terra!!!) e também Manuel, só que Ferreira - Manuel Ferreira.

Alice era jovenzinha de 18 anos e noiva do pequeno proprietário de terras, Manuel Ferreira, igualmente jovem. Acontece que ela morava com velhos parentes muito pobres e, diante do desejo do sessentão Coronel João Pessôa de Albuquerque, de se casar com ela, seus parentes sucumbiram, afinal, o Coronel era o mantenedor de toda a família.

- Ela não vai se recusar, sabe que a gente precisa. E, além do mais, ela também deve favor ao Coronel, afinal, quem é que sustenta essa família?

Mas Alice estava apaixonada por Manuel Ferreira, daquelas paixões deliciosas da juventude, pela qual somos capazes de tudo. Naturalmente, ela se recusou. De personalidade rebelde toda a vida, Alice trancou-se no quarto e disse:

- Não caso não. Só caso se for com Manuel Ferreira.

“Ela casa sim!” Disse o parente.

- Espere só a fome bater! Ela sai correndo do quarto e casa com o Coronel.

- Alice! Deixe de arenga, menina!!!

Paciente, o Coronel esperou algumas semanas, durante as quais, tratou de dar uma ajudinha (sabe-se lá qual...) para o noivo Manuel Ferreira desistir do casamento e sumir da cidade.

Alice Pessôa e o seu Coronel de Albuquerque casaram sim e tiveram dez filhos, dos quais apenas três “se criaram”, e Manuel Ferreira partiu para o Amazonas, permanecendo lá por muitos anos, solteiro e fazendo sua fortuna. Voltou quando soube do assassinato do Coronel e da viuvez da sua amada, agora herdeira de grande patrimônio deixado pelo tio-marido.

Casaram os dois e foram felizes para sempre. Infelizmente, porém, o “para sempre” durou apenas cinco anos. Jurado de morte por brigas de terras, Nel Ferreira foi assassinado quando voltava da vila com os fogos de artifício para a festa de São João.

Uma tristeza para Alice, ainda jovem de seus trinta e poucos anos. Jurou que não casava mais. Entretanto, com mais um filho - este de Manuel Ferreira – e um grande patrimônio em terras para administrar, foi aconselhada por um parente a se casar novamente, pois não tardaria a ter suas fazendas saqueadas.

- Mas casar com quem?

Manuel Carvalho era um jovem comerciante, quinze anos mais novo que Alice – que já passava dos 35 -, muito bonito e promissor. Foi a indicação do parente que, agora, entretanto, não podia mais impor um marido a ela, mas apenas indicar.

Alice foi à bodega de Manuel Carvalho que ficava em frente à sua residência na pequena São Miguel (RN). Ela já havia percebido os flertes do rapaz, mas desviava o olhar sempre que ele insistia em ir à frente da loja quando a via na janela.

Quando chegou lá, Manuel era só sorrisos para com a viúva. Encostada num canto perto do balcão, uma caixa chamou a atenção de Alice. Estava cheia de louças e utensílios de cozinha. Manuel Carvalho havia desfeito recentemente o noivado com uma moça da cidade e alguns objetos ainda permaneciam na caixa.

- O que são estas coisas? – Perguntou Alice. – O senhor vai se casar?
- Vou sim. – Respondeu todo galante.
- E eu posso saber com quem o senhor pretende se casar?
- É com a senhora mesmo.

Manuel pensou que surpreenderia a jovem senhora com sua afirmação, mas tomou um susto quando ela lhe respondeu segura:

- Só se for hoje mesmo. Um casamento à americana, a meia-noite na sacristia da Igreja, só o senhor e eu e as testemunhas, o senhor topa?

Sabe aqueles três segundos na vida da gente que fazem a enorme diferença pelo resto das nossas vidas? Pois foram estes os três segundos de Manuel Carvalho, mas foram muito mais do que ele precisava para responder.

- Topo.

E se casaram, em 29 de setembro de 1938, naquela Igrejinha lá de cima, hoje reformada.

Ah, Manuel Carvalho conta, ainda, que passou vários dias recebendo a visita de Tiburcinho Sacristão, que ia lá na bodega a mando do padre, sempre para receber por uma taxa, por conta do casamento “à americana”.

- Era taxa de urgência, de pendência, de anuência... Haja paciência!!! Um dia, fui lá na Igreja e chamei o Padre. Olha aqui, disse eu pra ele, o senhor me diga aí quanto é que eu lhe devo que eu vou lhe pagar agora é tudo de uma vez. Vamos acabar com esse negócio de Tiburcinho estar todos os dias lá na bodega catando dinheiro, que com isso aí já se vai uma fortuna.

O padre se aquietou e deu-se por satisfeito com mais alguns réis. Este mesmo padre batizou seis dos dez filhos que Alice teve com Manuel Carvalho. Os outros quatro não sobreviveram.

Alice nasceu em 1903 e morreu aos 67 anos.