quinta-feira, agosto 16, 2007

Eu também quero a minha carta

Faz tempo que eu não consigo pegar uma fila boa no correio, normalmente tão cheio de gente - e quase ninguém em busca de cartas. Tem estado vazia a agência por aqui.

Quando falo em boa fila estou me referindo àquelas em que você passa pelo menos quarenta minutos em pé cruzando e descruzando braços, escolhendo a melhor posição para eles – eu fico testando quanto tempo consigo mantê-los relaxados ao longo do corpo. Do mesmo modo, numa boa fila, tento desvendar a personalidade de meus vizinhos pelo estilo de calçado que usam. Dá até pra ter uma idéia sobre o que cada um faz ali conforme o sapato que está usando.

O boy é o terceiro da fila, mas vai atrasar todo mundo pela quantidade de envelopes que traz na mão. Ainda bem que não tem muita gente hoje. Aquele homem com a muleta está na fila dos preferenciais, mas não consigo entender por que a usa, já que nem mancar, manca. E você, o que está fazendo aí?

- Eu? Eu quero a minha carta.

Do outro lado do balcão, Paulo olha a senhora com espanto.

- Eu quero a minha carta. – Repete.

- Que carta? – Titubeia o funcionário da agência, mas a mulher insiste que quer a “sua carta”.

Tão pouca gente está interessada em carta hoje em dia... Virou coisa tão pouco usual depois do correio eletrônico que fizeram até comunidade no Orkut para troca de correspondência via correio. Certamente aquela senhora não é membro e permanece na frente de Paulo exigindo:

- O senhor pode, porrrr favorrrrr, pegar aí a minha carta.

Paulo olha para os colegas e para os demais na fila, sem saber como agir diante daquela senhora que, inusitadamente, veio ao correio em busca da “sua carta”.

- Como é a sua carta, senhora?

- Se o senhor me entregar a minha carta eu posso lhe dizer como ela é. O senhor pode, porrrr favorrrrr, pegar aí a minha carta. Eu esperei na fila, quero a minha carta.

A fila cresceu. Também, pudera, com o boy e seus envelopes e a senhora e a “sua carta” ocupando os dois funcionários, o pessoal foi chegando. Eu também queria receber uma carta. Uma carta de alguém, sei lá de quem, mas uma carta escrita a mão para mim. Um esforço empreendido em minha direção, um pouco de alguém na tinta de uma caneta bic sobre uma daquelas folhas fininhas dentro de um envelope com as risquinhas brasileiras nas bordas. Ah, como eu queira também a minha carta... Tenho algumas guardadas, de antigamente, quando meus vinte anos não imaginavam o surgimento da Internet. Outros tempos...

- A senhora podia me dizer pelo menos o que está escrito no envelope da “sua carta” ou quem a mandou para a senhora?

- O senhor ainda não entendeu, não é? Eu posso lhe dizer tudinho o que está escrito no envelope da minha carta se o senhor for buscá-la pra mim. Vá, vá, vá buscar a minha carta.

A fila está se impacientando. Está difícil de manter os braços ao longo do corpo, ainda que os envelopes do boy passem rapidamente pela máquina. Todo mundo está percebendo o desconforto do Paulo e ele o desconforto da “platéia”.

- Está bem, a senhora espere aqui um instantinho, que eu vou buscar a sua carta.

A fila quase aplaudiu o Paulo, mas era uma fila tímida e ninguém se manifestou: braços continuaram cruzados e descruzados; os meus ao longo do corpo. Troquei a perna de apoio. A do sapato de plástico fez o mesmo, o franciscano também.

Lá vem ele, sorrindo. Paulo está de volta com a carta. Na ponta dos pés, a senhora levanta as duas mãos por cima do balcão para pegar a “sua carta” e vai embora com o olhar fixo no envelope e uma indescritível expressão de realização e felicidade. Besta que sou - que choro até em propaganda de televisão -, de meus olhos frouxos teimou em rolar uma lágrima.

Tão logo a senhora cruzou a porta de saída da agência, a fila inteira, puxada pelo boy, aplaudiu o Paulo.

- Onde é que você conseguiu a carta, Paulo?

- Ué!!! Aqui não é o correio?

4 comentários:

Anônimo disse...

Arre, eu quero minha carta lá do Maranhão...
e uma garrafa de vinho
Maria Luiza

Clóvis Campêlo disse...

Eu quero a minha carta e uma camisa do Santa Cruz.

Anônimo disse...

Comecei a gostar de ti...

José Calvino disse...

Esperei esse tempo todo... quero a minha carta enviada no saudoso trem das 11 horas...

José Calvino
Recife