domingo, julho 15, 2007

Tão Longe de mim distante

Permaneceu calado, não disse palavra, não respondeu. Talvez não houvesse mesmo uma resposta. Não sei o que dá em mim que sempre procuro respostas... Onde irá meu pensamento? Longe, chamava-se Longe. Mas isso lá é nome de gente? Devia ser, pois era mesmo o nome dele. Testei. Aproveitei que ele estava de costas no meio da rua e gritei:

- Longe!!!

Ele se virou e abriu um sorrisão. Era mesmo Longe do outro lado da rua.

Cantou uma ópera no Municipal e na saída tropeçou em mim. E desde aquele momento eu me pergunto por que não assisti a aquele espetáculo. Era de graça. Sempre tem alguma coisa de graça no Municipal, e é tão lindo lá dentro. Teria visto Longe interpretando Lindoro. No momento em que tropeçamos um no outro eu era La Rosina e lamentei ter parado minhas aulas de canto lírico antes de me tornar a Callas do momento, como a Joyce DiDonato cantando “Una voce poco fa” em Il barbiere di Siviglia.

Mas cada um é o que é e eu vou continuar usando essas letrinhas e fazendo delas o vozeirão capaz de alcançar cada vez mais Longe, ainda que os tropeções me tragam perguntas que nem Longe tenha resposta.

Normalmente quem tropeça sou eu. Sou dessas pessoas que engancham, que caem na rua. A última vez foi ao meio-dia na Avenida Nossa Senhora de Copacabana. Oitenta quilos de mim despencaram do alto de um tamanco pouco antes de entrar num restaurante lotado e recém-inaugurado. Monte de gente na fila e eu de quatro com os joelhos sangrando e minha amiga de setenta anos tentando me ajudar a levantar. Em loja de bibelô e antiguidade eu não entro mais porque derrubo tudo. É prejuízo na certa. Passo Longe.

Seu sorriso era um convite! Mas estava do outro lado da praça, assim tão Longe. Para chegar até ele, o jeito foi dar o primeiro passo. E um depois do outro, fui atravessando a praça e dali mesmo pude ouvir, tão imponente como aquela última ária do Barbeiro cantada em coro, as vaias ao presidente Lula no Maracanã do Pan, habilmente utilizado como a PANacéia do Rio, que está, como já foi divulgado, um PANdemônio, e cuja abertura quase acabou em PANcadaria. O povo do Rio só quis mostrar ao presidente que não é nenhum PANaca. Longe de nós!

Ainda bem que eu estava ali na praça, com olhos ao Longe, fixos no objetivo e caminhando devagar rumo àquele sorriso encantador. Alguém que me conhecesse bem diria que estou mentindo, que certamente fui correndo de um lado até o outro da praça para encontrar quem se chama Longe. Mas eu não sou boba não, sei que “devagar se vai ao Longe”, e é lá que eu quero chegar. Portanto, esse alguém que se me conhecesse diria aquilo, não me conhece ou não compreende que assim como um rio, eu também e você também e ela também, não somos mais quem éramos há um minuto atrás, portanto, ninguém conhece bem ninguém.

O dia em que meu filho deixou de gostar de batatas fritas aos oito anos merecia também uma crônica – e quem sabe acontece -, mas vou lhes dizer como foi que percebi assim a seco que as pessoas mudam assim a seco. Eu preparei para o meu garotinho (ops!, melhor mudar, não quero ofender meu próprio filho), eu preparei para o meu menininho um baita pratão de batatas fritas, que ele adorava, e lhe informei:

- Filho! Vem almoçar que eu fiz batatas fritas.

Ele me olhou sério pela primeira vez aos oito anos e respondeu:

- Mãe, eu detesto batatas fritas.

Comecei a perceber aí que as pessoas mudam e, logo depois, esse mesmo meu filho me corrigiu novamente quanto à sua pessoa quando, depois de muito chamá-lo pelo nome, fui ter com ele no quarto onde brincava e questionei:

- Eu estou lhe chamando, não está me ouvindo?

- Você não está me chamando.

- Como não, estou gritando seu nome há um tempão.

- Não está não. Não me chamo mais Antonio, meu nome agora é Marcelinho.

Aos oito anos de idade me olhava sério novamente e eu tive que chamar o meu pequeno Antonio de Marcelinho por umas duas semanas até que ele resolvesse retornar ao “menu inicial”.

Por isso, fui devagar ao Longe. Um pé depois do outro, um passo, outro, sem pressa, curtindo aquele sorriso que me aguardava do outro lado da praça. Meu Lindoro!

E lá foi La Rosina pela estrada afora devagar até chegar ao Longe, mas “Longe é um lugar que não existe” e se é assim, nem mesmo devagar se chega ao Longe – que não existe.

Do outro lado da praça, sem Lindoro, La Rosina se conformou:

- “Longe das vistas; longe do coração”.