quarta-feira, novembro 29, 2006

Cuidado com a burra!

Natal, 29 de novembro de 2006

Barra de Cunhaú é, na minha opinião, uma das mais bonitas. Mais que Pipa, mais que Barra de Tabatinga, mais que Búzios, Pirangi do sul e do norte, Cotovelo ou Pium. Mais que a Praia de Ponta Negra. Pra mim é a mais bonita e pronto.

Pronto!

“Pronto!” é uma expressão mais que mais que utilizada por aqui. Iniciando quase todas as indagações, respostas etc, o natalense diz: “- Pronto!” Da mesma forma que o carioca diz: “Então!”.

Pronto! Eu estava indo pra lá, pra Barra do Cunhaú. Pela BR-101 depois passando por uma vila de casas sem varandas, de portas rentes à calçada e de calçadas descalças rentes à estrada. Além da vila, mais uma estrada, desta vez uma “dinha”, com muitas curvas, chácaras, casuarinas, e criadouros de camarões. Numa dessas curvas, da janela do quatro-por-quatro, numa chácara quase em frente a um tanque de camarões bem criados, estava a placa:

- Cuidado com a burra!

Passei por ela e apenas alguns metros à frente é que a ficha caiu:

- Que burra?

Pelo resto da viagem até a barra-mais-bonita-que-há-por-lá não reparei em mais nada que houvesse na estradinha, só indagando a mim mesma se eu havia visto direitinho, se era aquilo mesmo, se não estava escrito “o cão” ao invés de “a burra” e outros devaneios.

- Vocês viram a placa? – Perguntei aos outros no carro.

Ninguém reparou. Seguimos e eu pensando. Se estava mesmo escrito “a burra”, então, só podia ser gozação de alguém, certamente um carioca perdido naqueles cajueiros muitos. Mas quem seria a burra? Pensei cá com meus botões. Certamente a sogra do chacareiro ou mesmo a filha dela.

Chegamos na Barra. Como eu disse, é realmente lindo o encontro desse rio com esse mar. Afastando-se da margem do rio Cunhaú de jangada a gente vê o paredão de coqueiros tão grandes que parecem palmeiras imperiais, tão fartos como seios de mãe, tão bonitos como o resto da Barra.

Só me lembrei novamente da burra quando estávamos saboreando deliciosos camarões e me disseram que eles eram dos tanques de criação que havíamos visto pela estrada.

O dia chegou ao fim e iniciamos os noventa quilômetros que nos levariam de volta à Natal. Combinei com todo mundo que pararíamos para comprar camarões frescos dos tanques.

Paramos no local, tratamos com o vendedor-tratador dos camarões e, enquanto este foi lá dentro buscar as amostras para nos certificarmos da cor, tamanho etc, um dos meus acompanhantes me cutucou e apontou:

- Olha lá a placa que você falou.

O outro acompanhante completou:

- E olha lá a burra.

Havia mesmo uma burra! Uma burra de guarda! E pela cara da bichinha era um bocado braba, valendo a placa de alerta. Nesse mesmo momento, retornava o vendedor com alguns camarões na mão. Os animais se mexiam, vivos que estavam, arrancando de mim o espanto e a exclamação:

- Mas, estão vivos?! O que vamos dar para eles comerem.

Imediatamente, o terceiro participante do nosso passeio, natalense nascido e criado por aqui, me saiu com essa:

- Pronto! Cuidado com a burra!

Pelo jeito, vou colocar a placa lá em casa.

P.S. - Aproveito para comunicar aos meus queridos amigos e leitores que estarei adentrando seis horas no interior deste sertão-de-meu-deus até São Miguel da Serra, pertinho de Pau-dos Ferros, do ladinho de Coronel João Pessoa. Volto dentro de alguns poucos dias com outras histórias.

segunda-feira, novembro 27, 2006

Natal dos Escritores e da Cultura

Natal-RN, 27 de novembro de 2006

Por força de acompanhar meu marido em sua brava investida para ingressar na Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e tornar-me, enfim, a mulher do maior regente do planeta, estou aqui em Natal-RN, desde 23 de setembro, e já estava pra lá de cansada de criar modas culturais para este ou para aquele, e de tanta praia - por mais que belas sejam. Enfim, quando tudo parecia somente este mar e esse céu, aconteceu por aqui - e olha que eu já desconfiava que pudesse acontecer - um Encontro de Escritores.

Num espaço alternativo, criado para abrigar pelo menos mil pessoas, quase mil lá estiveram por dia, além, é claro, de nomes importantes como Ruy Castro e Heloisa Seixas, Marcelino Freire (ganhador do Jabuti 2006 por seu "Contos Negreiros"), Antonio Prata, Nelson Motta, Antonio Cícero, alguns escritores da terra e, ainda, Jorge Mautner que debateu com Affonso Romano de Sant'ana sobre o tema: Periferia e Centro.

Sant'anna disse que o centro tende a abraçar a periferia, por modismo, e Jorge Mautner lembrou que somos tudo farinha do mesmo saco, mas que há esperança para o mundo. Um gênio!

Ambos me parecem corretos, na medida em que o centro tende a alargar seu diâmetro abraçando a periferia e anexando-a a si, já que esta é sub-produto do próprio centro. O que acontece, então, é que uma nova periferia surge de tempos em tempo, mais precisamente, cada vez que os "excluídos da hora" passam a fazer parte do "cast" central. A pergunta que surge é: quem será hoje esta periferia cultural que surge e será que a estaremos abraçando daqui uns tempos?

O Marcelino Freire, que trabalha como revisor numa agência de propaganda, disse que não responde por disciplina quando o assunto é escrever, pois que se baseia mais na inspiração do que na expiração, no que foi rebatido por Antonio Prata para quem a Literatura garante integralmente seus proventos.

A experiência me diz, entretanto, que escrever só por inspiração é uma delícia, mas delícia maior é poder viver exclusivamente da Literatura, mesmo que para isso, vejam só, seja preciso escrever laudas e laudas diariamente, ou, como disse o Prata - que colaborou na novela "Bang-Bang", da Rede Globo -, três longas-metragens por semana.

De tudo, o que mais valeu nessa história toda, foi ter redescoberto este "Estado de Coisas" que é o Rio Grande do Norte, onde nasci, pois, puxando o novelo pelo fio do Encontro dos Escritores, venho descobrindo um mar de cultura num céu de novas revelações.

Sobre o Encontro dos Escritores, destaco, ainda, a participação do poeta Antonio Cicero e a divertida de Nelson Motta, que contou uma história hilária, com a qual finalizo este post, ilustrando-o:

Diz o compositor-letrista e produtor cultural que, na época em que estava lançando "As frenéticas" - início dos anos 80 -, a censura ainda era muito severa, resquício da Ditadura Militar. Então, ele mandou para a Rita Lee a letra daquela música com a qual as meninas de Dancing Days estouraram, que começava com "Eu sei que eu sou bonita e gostosa..." e terminava com "Eu vou fazer você ficar louco, muito louco...". Alguns dias depois, Rita Lee lhe manda pelo correio uma fita cassete com a música e um bilhetinho:

- Nelsinho, acrescentei uma pequena coisinha na sua letra.

Nelson Motta adorou quando ouviu o acréscimo no final da música: "Eu vou fazer você ficar louco, muito louco... Dentro de mim".

Era realmente genial "o dedo" da Rita na letra, mas como é que ele ia passar essa letra pela censura? Nunca conseguiria. Então, num lance de genialidade, à altura da contribuição de Rita Lee, ele tirou o trecho do fim da música e o colocou no início da letra, ficando da seguinte maneira:

"Dentro de mim, eu sei que eu sou bonita e gostosa...", terminando simplesmente com "Eu vou fazer você ficar louco, muito louco."

Ora, nada impedia o recomeço da música, deixando-a como sugeriu Rita Lee, gravaram As frenéticas e ficou conhecida por todos nós.